Hoje, quarta-feira, está sendo leiloado em Paris duas peças da coleção de Yves Saint Laurent: uma cabeça de rato, outra de coelho, ambas de bronze. O grande detalhe dessas duas peças é que não são francesas nem tem qualquer ligação com a Europa a não ser uma: foi roubada em 1860 da fonte zodiacal do Palácio de Verão em Beijing pelas tropas francesas e inglesas.

Ao colocar em leilão tais peças de valor histórico e cultural a empresa de Yves Saint Laurent e seu parceiro, Pierre Bergé, colocam a prova sua (falta de) conhecimento de história, pouco apego ao bom senso que deveria permear as relações humanas e ofendem o povo chinês.

Nos anos que precederam o saque desse e de outros objetos as potências coloniais da época, leia-se principalmente França e o Reino, queriam entrar nesse mercado desconhecido chamado China. Tentaram tanto que entraram com os dois pés no país: saqueando, roubando e queimando tudo por onde passavam.

Em 1860 acabava a 2ª Guerra do Ópio (sendo a 1ª entre 1839 e 42), maneira muito bacana com que os "gentlemans" ingleses tentaram invadir a China. Dois anos antes a corte chinesa havia assinado um tratado autorizando a abertura de embaixadas estrangeiras no país e depois voltaram atrás. Para "convencer" a Corte Imperial a abrir suas portas eles fizeram barbaridades em Beijing e arredores e roubaram, entre outras coisas, a peças que serão leiloadas hoje.


O que uma coisa tem a ver com outra?
Quando a China tentou impedir que esses objetos fossem leiloados a justiça francesa rejeitou o pedido. Realmente "surpreendente" mas, para mim, a pergunta que tem de ser feita é: a justiça francesa tem competência e autoridade para julgar isso? Não deveria ser julgado por outros como, vamos dizer, ONU?

Pois bem, o cultíssimo Sr. Bergé disse que daria esses objetos para a China sem problemas. Para isso bastava que Dalai Lama voltasse ao Tibete, e que o governo chinês respeitasse os direitos humanos no país. Eu particulamente apoio as duas coisas, mas o que tem a ver isso?

Não há dúvidas sobre o comportamento de Beijing sobre esses dois assuntos, de 10 pessoas 11 vão dizer que as duas coisas serão mais do que justas. Porém eu repito, o que tem a ver?

Será que essa empresa, e esse Sr. Bergé tem noção da dor que os chineses devem sentir? Será que acham justo guerras como as do Ópio? Colocam o dinheiro como a "pedra de gênesis" a ser alcançada na vida? Esses senhores já leram algum livro de história, valorizam a história do próprio país? Vale a pena leiloar essas peças, sob qualquer ângulo que fóssemos analisar essa questão?


O Sr. Wang Qiutong, presidente de uma associação cultural na ex-colônia britânica Hong Kong, declarou: "Há 150 anos, incêndio e saque; 150 anos depois, chantagem. O comportamento de Pierre Bergé é pura e simplesmente uma lógica de gangster".

Dando prosseguimento nesse leilão o Sr. Bergé ainda dará argumentos para, justamente essa política dos direitos-humanos e do Tibete, continuarem na China. Ajudará a perpetuar a política humana de "se ele não fizer primeiro, eu também não faço" e perderá a chance de reparar, ao menos um pouco, um crime que continua marcado na história chinesa.

Comments (3)

On 26 de fevereiro de 2009 às 05:43 , Unknown disse...

Tudo bem eu concordo que pecas roubadas de um palácio Chinês pertencem a China e não a um colecionador na Franca ou Inglaterra, mas dizer que “ao colocar em leilão tais peças de valor histórico e cultural ....... colocam a prova o pouco apego ao bom senso que deveria permear as relações humanas e ofendem o povo chinês” sou obrigado a discordar.
Quando se fala em apego que permeia as relações humanas não se pode esquecer de forma nenhuma o que acontece hoje no Tibet, não se pode falar em saque, roubo etc feitos pelos Franceses, Ingleses em 1860 e hoje agir exatamente da mesma forma, o nome dado a esta pratica é hipocrisia.
Quando um pais age desta forma estará sempre sujeito a tais comparações, e neste contexto é necessário valorizar o que mais importante 2 cabeças de bronze ou milhares de cabeças de seres humanos???
Quanto a ofender o povo Chinês duvido que o povo se importe com as famosas cabeças.

 
On 26 de fevereiro de 2009 às 11:20 , Anônimo disse...

Tenho que discordar em diversos pontos.

Culturalmente a china é conhecida por sua impressionante capacidade de recriar itens, sejam quadros famosos e ou propriedades intelectuais, sinto nisso grande tristeza, sabendo que a pirataria reina entre eles, mas admito que eles são extremamente competentes e criativos ao desenvolverem suas cópias, mas para ganhar dinheiro e com conivência do governo isso é muito mais mafioso que leiloar um item saqueado em conflito.

A chantagem feita pelo comerciante não passa de um recado para um governo corrupto e que não respeita suas próprias tradições culturais, quando vai de encontro a todos os anos de sua história, e mesmo dentro de um evento mundialmente difundido limita comunicação e informação, como o ocorrido nas olimpíadas.

Em contra partida concordo que itens saqueados não deveriam ser itens de colecionador, mas se tal item é tão importante para o governo, a saída mais diplomática e barata do que um tribunal internacional como sugerido, era comprar tal peça no leilão, porque convenhamos, um tribunal internacional conduzido pela ONU tem coisas mais importantes pra tratar.

Por fim é importante ressaltar quantas culturas foram devastadas no mundo inteiro por conflitos e guerras, e são até hoje. Até mesmo dentro de nossa comunidade isso ainda acontece, mas não muda o fato de muitas pessoas continuarem a comprar itens sem saber sua procedência, tenho ainda que admitir que tenho comigo carimbos gregos que um amigo trouxe em uma viagem, ato que é considerado crime pelo país de origem, onde eles vendem tais itens por 2 ou 3 dólares, desvalorizando o próprio passado, o que não passa de lei da oferta e procura, já que lá eles tropeçam em história andando pelas ruas.

Acredito que o leilão em si não é uma questão diplomática, ideológica ou política. É só comercial, para unir tais itens, basta o governo chinês arrematar a peça, e se eles acham que tem o direito ao item de volta, que deixem a hipocrisia de lado e devolvam tudo que tomaram também em seus conflitos passados e no atual conflito com a propriedade política e intelectual.

Mais uma vez discordo de uma parte do texto que pergunta "o que isso tem a ver?". Tem a ver tanto quanto um assassino ache que o estuprador na cadeia merece ser punido. É hipócrita, cruel e ridículo um lado se julgar melhor que outro, principalmente nesse cenário onde 3 culturas tradicionamente autoritárias tentam se passar por boazinhas.

Um brinde a Rainha, aos imperadores e a mediocridade.

 
On 26 de fevereiro de 2009 às 12:12 , Luiz Barretto disse...

Prezados Libailong e Wolf,
Talvez seja "romantismo" de minha parte achar que alguma das duas partes irão parar com esse círculo vicioso.

A empresa Yves Saint Laurent usa a situação a seu favor e o Governo chinês muito mais, assim um irá alimentar o outro e, muito provavelmente, nem uma parte nem outra realmente se importam com o resultado.

Nesse post o que quis expressar é justamente: "foi roubado por lá, pertence ao lugar". Não importa se o povo "sente falta" das peças, o princípio do roubo se sobrepõem, na minha opinião, a essa "falta".

Sim, a China está sujeita a tais comparações, assim como outros países o estão, ao agir de tais e tais formas. Porém a atitude do Yves Saint Laurent foi exatamente igual ao do governo chinês e, responder na mesma moeda não melhorará em nada a situação.

E, como sabemos, os chineses são muito competentes em copiar sim. Apesar de eu achar que isso "foge" do propósito do post acho que eles só continuam a fazer isso porque há conveniência não só interna como externa também.

Por fim, gostaria de insistir no "o que tem a ver?". Concordo com muitas coisas que vocês dois disseram simplesmente porque são fatos e contra eles não há argumentos. Só acredito que não devemos misturar tanto as coisas porque, dessa maneira, creio que a 2ª será justificada pela 1ª e assim por diante, até chegar em um ponto sem controle.

As peças deveriam ser devolvidas ao lugar que pertencem e a mesma coisa vale para as peças roubadas pela China e assim por diante. É só.

Abraços a todos.