Taiwan é um país ou uma província especial da China?
Muito mais que uma simples polêmica, é 'questão de honra' para os dois lados. Se tiver a oportunidade de perguntar para um taiuanês se ele se considera chinês ele poderá ficar até nervoso por essa comparação. Perguntando para um chinês a provável resposta será: "Taiwan faz parte da China".
Abaixo segue a excelente entrevista da Folha de S. Paulo com Lu Siu Lien, vice-presidente de Taiwan.
Boa leitura a todos!
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por LUCIANA COELHO - Enviada da Folha De S.Paulo a Taiwan

Se Lu Siu-lien desmanchar o sorriso simpático e erguer o tom da voz, ela estará muito provavelmente falando sobre a China. O país está no centro de suas funções como vice-presidente de Taiwan, as quais acabaram por englobar boa parte da árdua diplomacia da ilha que Pequim chama de Província rebelde, mas que a nova geração de taiwaneses quer cada vez mais chamar de país.

Política independente, escolhida para compor a chapa do Partido Progressista Democrático com Chen Shui-bian, ela se tornou em 2000 a mulher a conquistar o mais alto cargo no Executivo do país, sendo reeleita quatro anos depois.

Aos 63 anos, com um histórico que inclui uma passagem por Harvard e o governo do condado de Taoyuan, Lu --que adotou o prénome Annette em sua temporada no exterior-- ficou conhecida pelo falar franco e a aversão a alianças políticas. Ao se referir a Pequim, passa longe da sutileza diplomática.

"Aqueles que não estão familiarizados com o comunismo, com a autoridade chinesa podem até ter a expectativa de ter a China como parceiro. Mas uma vez conscientes disso, muitos se arrependem", disse ela à Folha no Palácio Presidencial em Taipé. E quanto a Taiwan na ONU? "Nós somos pacientes", sorri.

Leia, a seguir, os principais trechos da entrevista.

Folha - A sra. viajou à América Central e ao Paraguai, no momento em que Taiwan acabara de perder o apoio da Costa Rica. Quais os principais resultados dessa viagem?
Annette Lu -
Depois do que fez a Costa Rica, decidimos fortalecer nossos laços com os parceiros na América Central. Acabamos [dias 13 e 14 de agosto] de ter a segunda assembléia da União Democrática do Pacífico [UDP], a qual compareceram 33 países, o que consideramos um sucesso. O consenso adotado foi o de condenar a posição do presidente da Costa Rica, Óscar Árias, de quebrar sua relação de 33 anos com Taiwan contra a vontade de seu povo.

Folha - Esse rompimento surpreendeu Taiwan?
Lu -
Sempre tivemos conhecimento de sua inclinação pela China e pensávamos que havia uma possibilidade de ele romper conosco. Ele chegou a tentar esconder o fato de que tinha entrado em um acordo com a China em 1º de junho. Isso não é uma atitude diplomática. [...] Mas quero enfatizar que nossas relações atuais com a América Latina hoje são muito fortes, o presidente Chen [Shui-bian] está lá agora.

Folha - A sra. vê a decisão costarriquenha como resultado de algum tipo de pressão econômica da China?
Lu -
É claro que existem interesses econômicos. Parte de nossos aliados na América Central mantêm algum tipo de ligação econômica com a China. Mas não chegam a lucrar com essa relação, pois a China exporta bens de baixa qualidade para eles _agora está todo mundo falando disso, aliás. Um chefe de Estado me disse: "nosso país é pequeno, a única vantagem que a China pode ter aqui é ferir Taiwan, pois uma vez que você firma relações com a China você tem de dizer adeus a Taiwan, e nós nos recusamos a fazer isso."

Folha - A sra. tem sido uma força diplomática do país. Qual a estratégia para expandir os laços oficiais ante a pressão chinesa?
Lu -
Aqueles que não estão familiarizados com o comunismo, com a autoridade chinesa podem até ter a expectativa de ter a China como parceiro. Mas uma vez conscientes disso, muitos se arrependem. Houve casos assim. Alguns países na área do Pacífico romperam laços com Taiwan sob a promessa de que a China contribuiria com dinheiro. Mas, uma vez firmadas as relações, a China simplesmente esquece tudo. E alguns países nos procuram de volta, pedindo perdão. É por isso que eu acredito que todos os chefes de Estado na América Central já sabem como lidar com a China e como consolidar suas relações com Taiwan. Há alguma preocupação quanto à Nicarágua, mas o vice-presidente Jaime Morales, a pedido do presidente Daniel Ortega, esteve na cúpula da UDP.

Folha - Mas como a sra. acha que Taiwan pode confrontar o poder econômico da China para estabalecer novas relações...
Lu -
A China tem poder econômico, mas Taiwan também tem. Taiwan é muito importante no setor de alta tecnologia. Ninguém pode negar. E nós temos "soft power".

Folha - Como Taiwan tem usado esse "soft power"?
Lu -
Por soft power eu entendo direitos humanos, paz, democracia e tecnologia, pois esses são os baluartes de nosso povo. Aqueles que têm soft power devem dividir e colaborar com otros países. Assim todos ganharão. Esse é o maior trunfo de Taiwan, e foi sobre essa base que eu fundei a União Democrática do Pacífico.

Folha - Qual o apoio popular hoje ao referendo para reivindicar a entrada de Taiwan na ONU?
Lu -
Ninguém diz não ao referendo. Todo país tem direito de ser representado na ONU sob seu próprio nome. Exceto Taiwan [que aperece como república da China, parte potanto da China]. Não porque nós não nos qualificamos para tanto, mas simplesmente porque a China goza de poder de veto. Isso é injusto. Fui eu que comecei essa campanha, já em 1992.

Folha - Que resultado o governo espera da campanha?
Lu -
Sabemos que pode demorar muito. Para as Coréias, levou 15 anos apenas para conseguirem unir-se à ONU. Para a China, levou 23 anos. Nós somos pacientes o bastante.

Folha - A sra. pessoalmente acredita que a China aceitará a total independência de Taiwan algum dia?
Lu -
Se consolidarmos essa independência internamente, sim, pois hoje os políticos dividiram as opiniões [populares]. Acho que um consenso ainda pode ser obtido para mostrar que o povo de Taiwan quer isso.

Folha - Como estão as divisões em relação à total independência?
Lu -
Antes, estavam no poder políticos que não haviam nascido em Taiwan, que vieram da China e estavam ligados à história chinesa, que tinham memória daquele país. Mas para a geração que nasceu aqui, cresce o consenso de que Taiwan é independente. Nossa marcha começou em 1996, quando, pela primeira vez, permitiu-se ao povo taiwanês eleger um líder nacional [até então Taiwan vivia sob ditadura do Kuomintang]. Mas aí a China nos ameaçou novamente, apontando seus mísseis para cá. Os EUA, o ex-presidente Bill Clinton, sabiamente intervieram para nos proteger. E a verdade é que Taiwan tem sido independente desde 1996.

Folha - A China continua a dizer que está preparada para reprimir milirtamente qualquer tentativa de independência de Taiwan. E Taiwan, como reagiria?
Lu -
Comparativamente, somos um país muito pequeno ao lado da China. Mas ainda assim nós nos recusamos a nos rendermos à China. Nós resistimos com o progresso. Não temos razão para ter medo.

Folha - Já as relações comerciais entre os dois países vão bem...
Lu -
Sim, são países muito próximos entre si. Além disso, não há barreira de linguagem. Agora, hoje já há indícios de que milhares de empresários taiwaneses estão presos na China. É assim, se você chega para fazer negócio com eles, eles sorriem para você, te dão tudo... Mas quando você começa a lucrar, a história é outra. Eles querem checar sua renda, taxar tudo... Há sempre um modo ou outro de te pegarem. E há as propinas. E a situação de direitos humanos na China é precária.

Folha - O governo taiwanês agiu?
Lu -
Temos colocado algumas regras para restringir determinadas indústrias.

Folha - As relações também vão bem com outros países com os quais Taiwan não mantém relações diplomáticos, como os EUA e países europeus. Não há certa hipocrisia?
Lu -
Em 2002 Taiwan e China entraram para a OMC [Organização Mundial do Comércio]. Economicamente somos parte do mundo.

Folha - As eleições são no próximo ano. Qual a expectativa da senhora e o quais seus planos futuros?
Lu - Meu dever por enquanto é ajudar o presidente Chen a cumprir nossas tarefas até o fim do mandato, principalmente no lado diplomático. Eu fui eleita para dirigir a UDP por dois anos, e posso ser reeleita, então estarei ocupada com isso. Depois, fui convidada para visitar vários países. Um dos países para o qual definitivamente quero ir é o Brasil.

Fonte:
http://www1.folha.uol.com.br/folha/mundo/ult94u326726.shtml