Pense em um sistema onde o judiciário não é independente, a imprensa não é livre e é censurada e o poder está concentrado nas mãos de um partido, seja ele de qualquer tendência política que se queira pensar.

Agora imagine uma polícia que é considerada a “guardiã” desse sistema e que para esse sistema se manter é necessário “estabilidade” e são justamente os policiais que mantém isso no dia-a-dia. Podemos nos dar a liberdade de pensar que, caso aconteça algum problema na polícia, eles terão grandes chances de se safar, não?

Pois o assassinato de um médico por um policial promete esquentar ainda mais o abuso de poder na China.

Era 13 de novembro, há dez dias, quando o neurocirurgião Yin Fangming de 43 anos estava conversando com um amigo em seu carro dois policiais se aproximaram. Yin começou a discutir com um deles, engatou seu carro e saiu. Uma bala atravessou seu coração, uma ambulância o levou até o hospital onde trabalhava, mas ele já estava morto.

Yin havia se formado pela Universidade Médica Militar e recebeu muitos prêmios por suas pesquisas. O hospital onde trabalhava, em Guangzhou, era de poder militar até 2004 e foi devolvido do governo local desde então. Na tarde do dia 16 mais de 100 colegas de Yin fizeram uma homenagem na quadra de basquete do hospital. “Nós não temos medo de emergências médicas, tememos por nossa vida. Ninguém está seguro agora. Eles têm de limpar o bom nome do Dr. Yin”, disse uma enfermeira.

A notícia escandalizou a opinião pública que volta a pensar, principalmente pela internet, sobre o abuso de poder e a falta de regras na polícia. “Eu não sei quantos bandidos esse policial matou,” disse um blogger “Mas não é somente uma perda para a nação e para as pessoas, mas infrige seriamente o sistema legal do país. Nós queremos ver como esse criminoso com uniforme de policial é responsabilizado.”

O Departamento de Propaganda da província de Guangdong ordenou que a mídia publicasse somente os pronunciamentos oficiais sobre o caso, além de não fazer nenhuma investigação independente. A Polícia de Guangzhou se comprometeu a informar sobre as investigações conforme seu avanço.

A versão dos policiais envolvidos também levou pouca credibilidade do público. Segundo eles criou-se uma suspeita pelo número de placa militar do carro de Yin e foram perguntar para ele sobre isso. O Doutor se recusou a responder e acabou arrastando o policial que estava segurando na maçaneta do carro, só então houve o disparo fatal. O bom senso de quem se revoltou com o caso diz que, mesmo que isso tenha realmente ocorrido, os policiais nunca deveriam ter atirado para matar.

É interessante também notar que o amigo com quem Yin estava conversando, chamado Wang Yanwu, foi levado pela polícia e está sob custódia.

E, por incrível que possa parecer, esse tipo de violência gratuita não é raro na China. Em setembro de 2004 seis policiais pegaram um homem desempregado, bateram nele e depois o jogaram de um prédio de três andares para sua morte. No começo foi dito que havia sido suicídio, constatado que não os policiais foram processados. O julgamento final foi no último dia 16 de novembro e foram sentenciados a morte ou prisão perpétua.

A Polícia também tem seu representante na nata da política chinesa: o Comitê de Politiburo. O Ministro da Segurança Pública, Zhou Yongkang, é um de seus nove membros permanentes. Ele também é o Secretário da Polícia Armada Popular, que é uma organização paramilitar que serve como complemento à polícia e ao exército.

Assim a polícia age sabendo que são poucos vulneráveis e que sempre contarão com a ajuda do governo, como resultado o povo começa a desconfiar. “Mate 10.000 e nós teremos estabilidade por 10 anos”, foi o que Deng Xiao Ping disse em 1989 quando concordou com a lei marcial para prender os ativistas da Praça da Paz Celestial. Tudo em nome da estabilidade.