Essa matéria é um "especial" sobre a política e democracia em um dos países mais complexos da Ásia: as Filipinas.

Tentarei, dentro das minhas limitações, fazer um apanhado da história recente do país tendo como referência algumas pesquisas que venho fazendo. Espero que possamos aprender mais sobre esse país com isso.
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A democracia é um conceito relativamente novo na história humana. Na Ásia, famosa por seus imperadores ou colonizadas, esse conceito é mais novo ainda. E talvez seja lá um dos lugares mais difíceis da democracia não engrenar. Afinal, quem pode apontar o dedo aos chineses sendo que, em 5.000 anos de história, tal conceito de governo nunca foi utilizado?

As Filipinas é um caso à parte na história asiática e mundial, pois no começo do século 20 foi colonizada por um país que se orgulha de ser democrático desde a sua independência: os EUA. Pode-se dizer que as Filipinas tem instituições mais fortes por causa disso?

A história do país desde sua independência em 1946 mostra presidentes mais preocupados em se manter no poder do que em fortalecer as instituições políticas já existentes. Em 2010, quando sair de seu cargo, a presidente Gloria Arroyo irá completar 9 anos no gabinete. Muitos duvidam que ela chegue até lá, já outros acham que ela fará de tudo para ficar no poder mais tempo. Será uma repetição da história recente do país?

Vamos para a história
As instituições democráticas nas Filipinas datam da independência da Espanha em 1898 depois de três séculos de dominação. Na ocasião a República Revolucionária que tomou o poder criou uma Assembléia, que durou pouco. Logo depois os EUA venceram a Espanha na Guerra Hispano-Americana e as Filipinas passaram a ser uma colônia americana. Essa foi a primeira grande experiência americana em “construir uma nação” e as eleições começaram a acontecer no ano de 1907 nos níveis municipais. Então se formou a Assembléia Nacional Filipina que começou a juntar as elites do país.

Um dos elementos herdados dessa época são justamente as elites políticas. Sob a chamada “política de atração” do General-Governador americano Willian Howard Taft que procurava distanciar as elites filipinas de lutas revolucionárias e os aproximar dos americanos. Assim, a elite econômica filipina da época da Espanha colonial teve sua continuação na forma de uma elite político-econômica nos tempos americanos e que de certa forma domina até hoje o país.

Assim como em muitos países, sendo um dos exemplos o Brasil, uma classe política surgiu antes mesmo de instituições democráticas fortes o suficiente para controlar e regulamentar essa parte. Dessa maneira, quem tomou controle da política foi a velha classe que já estava no topo nos tempos coloniais e não é necessário dizer que o poder de decidir o futuro do país ficou concentrado nas mãos de uma pequena parcela da população.

Mas, politicamente falando as “Filipinas Moderna” começa somente em 1935, 11 anos antes de sua independência com a criação de sua Commonwealth. Naquele ano Manuel Quezon assumiu o posto de presidente e gozou de total controle diante de uma Assembléia fraca. Isso iria acontecer outras vezes no futuro próximo do país e foi sob essas bases que o país se tornou independente.

Depois da Independência
Pós 2ª Guerra Mundial as Filipinas se tornou um país independente dos EUA e a liberdade política e os direitos dos cidadãos aumentaram. A democracia no país parecia se fortalecer. Entre 1946 e 65 as Filipinas tiveram 5 presidentes eleitos sucessivamente: Manuel Roxas, Elpidio Quirino, Ramon Magsaysay, Carlos P. Garcia e Diosdado Macapagal.

Em 1965 Ferdinando Marcos foi eleito para um termo de 4 anos e acabou por se reeleger em 1969. Não satisfeito em governar por 8 anos Marcos decretou lei marcial no país em 1972 já que a Constituição de 1935 não permitia que um presidente fosse eleito mais de 2 vezes e assim ficou até 1981 quando as eleições voltaram, e quem ganhou? O próprio Marcos que concorreu nas eleições de 1986 e ganhou de novo! Só que dessa vez, com graves suspeitas de manipulação eleitoral, ele foi afastado do poder e a primeira presidente mulher, Corazón Aquino, assumiu o país.

Os tempos de Marcos permitiram dois movimentos antagônicos no país: fortalecimento das forças armadas que tentou derrubar Aquino por diversas vezes (e como vimos no final do ano passado quando um pequeno grupo de militares tomou um hotel em Manila exigindo a renúncia de Gloria Arroyo eles ainda têm muito poder no país), e a criação, a força, de um espírito democrático. Novas idéias, uma mídia mais investigativa e organizações civis defendendo os mais necessitados facilitaram essa volta para a democracia.

Por outro lado as elites políticas que tinham sido afastadas por Marcos tiveram a oportunidade de voltar ao poder, o que não foi difícil. Apesar dos inúmeros partidos político do país não se distingue uma proposta do outro e um pequeno número deles se mantém no poder.

O cientista político Nathan Quimpo fez a seguinte descrição dos partidos políticos nas Filipinas: “veículos convenientes de proteção que podem ser formados, misturados com outros, separados, reconstituídos, renomeados, re-empacotados, reciclados e até mandados privada abaixo a qualquer momento”.

Pós Ferdinando Marcos
Desde 1986 com o afastamento de Marcos 4 presidentes foram eleitos: Corazón Aquino (entre 1987–1992); Fidel V. Ramos (1992–1998); Joseph Estrada (1998–2001) e Gloria Macapagal-Arroyo (2001-2010).

Esses 4 presidentes contribuíram para o estágio que as Filipinas se encontram no momento. Corazon Aquino entrou para a história por ter restaurado a elite que tinha se afastado do poder nos tempos de Marcos e também sobreviveu à diversas tentativas de golpes militares em uma democracia que começava a se achar e não poderia retroceder.

O General Fidel Ramos conseguiu um grande sucesso através de diversas reformas econômicas e ajudou a consolidar o processo democrático. Já a ex-estrela de cinema Joseph Estrada ficou marcado por seu populismo e corrupção à favor de seus familiares. Ele caiu através da manifestação chamada de “Poder do Povo II” em janeiro de 2001.

Então a vice-presidente Gloria Arroyo assumiu o poder e foi reeleita em 2004 para mais um termo de 6 anos. E ela está resistindo a todo tipo de ataques e escândalos. Com acusações de favorecer negócios para seu marido, interferir em resultados eleitorais, o inexplicável perdão à Estrada seu poder já é contestado no país. Tanto é que nos últimos 3 anos Arroyo sofreu 3 tentativas de tira-la do poder. Mas, acima de tudo, Arroyo é conhecida no país por fazer qualquer arranjo com qualquer um que possa ajudá-la.

Legitimidade de Arroyo é questionada
Quando chegou ao poder em 2001 muitos questionavam sua legitimidade apesar de ter sido vice-presidente e da Assembléia ter garantido sua “promoção”. Como o mandato de Estrada ia até 2004 Arroyo iria cumprir mais 3 e então, em uma nova candidatura, teria de provar nas urnas que aquele cargo lhe pertencia. E foi isso que ela fez ao ganhar de Fernando Poe, Jr. (também estrela de cinema e amigo de Estrada) por uma diferença de 1 milhão de votos.

Uma diferença pequena, mas que tranqüilizou o país pelo fato de instituições como o Movimento Nacional por Eleições Livres (NAMFREL, na sigla em inglês) que aquelas foram eleições livres e limpas e portanto o poder de Arroyo não poderia ser mais questionado.

Mas sua situação começou a deteriorar quando seu marido e filho foram acusados de ganharem dinheiro de máfias de apostas. Dinheiro ilegal que, pelas mesmas razões tirou Joseph Estrada do poder anos antes.

O golpe mais dura no entanto foram as gravações onde uma voz feminina mostra preocupação com sua vantagem eleitoral ao conversar com o Presidente da Comissão das Eleições (COMELEC, na sigla em inglês). Na gravação essa voz feminina perguntava: “Então eu ainda ganho por um milhão de votos?”, ao que foi tranqüilizada pelo presidente.

Repare que apesar da fita revelar “EU” Arroyo negou que fosse ela, mas admitiu que sim, ela havia tido conversas “impróprias” com um membro da COMELEC Virgilio “Garci” Garcillano.

Esse escândalo ficou conhecido no país como “Hello, Garci?” e as gravações se tornaram domínio público, fazendo muito sucesso como ringtones de celulares. Em julho no mesmo ano houve um movimento para tirar Arroyo do poder, primeiro 10 membro de seu gabinete pediram a conta, depois antigos aliados como o Partido Liberal e até a ex-presidente Aquino pediram que ela saísse. Nas ruas a população queria sua saída ou um impeachment.

Mas como Arroyo conseguiu continuar no poder?
Com tantos escândalos essa é uma pergunta que não quer calar. Como Gloria Arroyo conseguiu ficar no poder?

Primeiro ela obteve o apoio do ex-presidente Fidel Ramos, assim como de Jose de Venecia Jr., porta-voz da Assembléia Filipina para quem ela prometeu sair do Governo e mudar a constituição para parlamentarismo. Apesar de querer uma campanha maior pelo parlamentarismo Venecia disse na época para Arroyo que uma tentativa de impeachment não seria apoiado por pelo menos 1/3 da Assembléia.

E, nesse jogo político seus aliados tentaram mudar o foco da discussão. Se todos queriam investigar esse escândalo eleitoral eles queriam agora discutir reforma política. No final de julho de 2005 Arroyo declarou para a nação: “nosso sistema político se degenerou a tal ponto que é difícil viver dentro dele sem se sujar”. Procurar culpar um sistema viciado ao invés de assumir sua responsabilidade parece sempre ser uma boa alternativa.

Mas Arroyo conseguiu mudar o foco da discussão. Se em crises anteriores, envolvendo Aquino e Estrada se julgava a atuação política desses indivíduos agora com a crise “Hello, Garci?” os filipinos queriam discutir seu sistema político como um todo. Alívio para Arroyo que enxertou o povo a “começar um grande debate para a mudança”.

Outros fatores também contribuíram para a sobrevivência de Arroyo no poder. A morte de Fernando Poe Jr. no final de 2004 deixou a oposição enfraquecida, pois perderam uma figura forte no caso de Arroyo sair. A campanha para tirá-la do poder também não conseguiu o apoio popular necessário e, ao contrário, encontrou os filipinos apáticos, cansados e decepcionados com a própria política. O “Poder do Povo” que ajudou a derrubar Estrada em 2001 não existia mais.

Então, como acontece em muitos outros países, o povo filipino começou a desacreditar que uma simples mudança de líderes iria mudar o rumo do país. Começaram a entender que o poder iria simplesmente mudar de mãos dentro de uma elite já tradicional.

A grande habilidade de Arroyo em manter os principais generais do país ao seu lado também ajudou a prevenir de um possível golpe militar. Além disso, o pouco apelo que o vice-presidente Noli de Castro (antes um apresentador de TV, vale notar) tinha na classe política não animava ninguém a querer colocá-lo no poder.

Por todas essas razões Gloria Arroyo continua se segurando no poder e, conforme o tempo passa, tira-la ou querer tirá-la de lá fica mais difícil.